Literacia em Saúde: compreender o conceito

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Literacia em Saúde é definida como “a capacidade humana de obter, processar e compreender informação elementar em Saúde, de utilizar adequadamente os serviços de saúde e de tomar as decisões corretas em Saúde“. É influenciada por fatores individuais e comunitários, nomeadamente:

  • Qualidade da informação e respetivas estratégias de divulgação;
  • Competência dos profissionais de comunicação social;
  • Objetivos definidos pelo sistema educativo;
  • Cultura e crenças circundantes.

Literacia em Saúde: uma necessidade social emergente

De acordo com o artigo Literacy and Learning in Healthcare e vários outros estudos, baixos níveis de Literacia em Saúde contribuem para menos atitudes de prevenção entre os cidadãos e, consequentemente, para a diminuição da qualidade de vida da população. Na perspetiva dos serviços de saúde, isto traduz-se num maior número de episódios de emergência hospitalar e de estadias, o que representa um maior encargo económico. Além disso, a heterogeneidade territorial relativamente aos níveis de Literacia em Saúde intensifica as desigualdades regionais em saúde, uma preocupação partilhada entre os governos europeus.

A atual (r)evolução científica e tecnológica, o peso social das comorbidades, os desafios levantados pelas doenças crónicas e os crescentes constrangimentos orçamentais dos sistemas de saúde estão a amplificar a pressão política para implementar estratégias de sustentabilidade. Como resultado, as iniciativas de Literacia em Saúde respondem a uma necessidade social emergente de melhorar o envolvimento dos cidadãos nos seus próprios cuidados de saúde.

A Literacia Digital pode ajudar a reduzir as desigualdades regionais

No âmbito da Saúde, a Literacia digital refere-se à “capacidade de utilizar, explorar, compreender e avaliar criticamente a informação em saúde fornecida por qualquer ferramenta digital, para enfrentar adequadamente uma situação de saúde específica(Direção Geral de Saúde, 2019).

Considerando o vasto leque de possibilidades oferecidas pelas tecnologias digitais, bem como a crescente importância social das ferramentas de TI, as ações para melhorar a Literacia digital em Saúde surgem como uma oportunidade sem paralelo, não só para proteger e promover a Saúde Pública, através da prevenção de doenças e da promoção da Saúde, mas também, para combater as desigualdades regionais relacionadas com a saúde.

No entanto, duas preocupações principais de acessibilidade devem ser tidas em conta no que diz respeito à conceção de ferramentas de Literacia Digital para a Saúde:

  • a acessibilidade ao mundo digital pode ser limitada, especialmente para a população idosa e as pessoas com deficiências, os mais vulneráveis e os mais desfavorecidos do ponto de vista socioeconómico;
  • a acessibilidade à informação fiável e relevante pode ser comprometida; devido à quantidade significativa de conteúdos digitais, está a tornar-se mais difícil distinguir fontes digitais fiáveis. Como relatado pela OCDE em Caring for quality in health: Lessons learnt from 15 reviews of health care quality, não há muito tempo, a informação era considerada um fator de sucesso para a qualidade da saúde; contudo, agora, a qualidade depende da capacidade de escolher a informação relevante.

Disseminação nem sempre é ativação social

Embora o acesso a informação fiável sobre saúde seja considerado um direito humano fundamental, a divulgação de informação não é suficiente: é crucial capacitar as pessoas para utilizarem essa informação em momentos críticos de decisão.

A mudança comportamental é tipicamente conhecida como um obstáculo humano crítico. No entanto, as soluções de eHealth podem ajudar a quebrar essa resistência, aumentando o nível de envolvimento dos cidadãos. De facto, se as iniciativas de Literacia digital em Saúde formarem e motivarem os médicos a compreender os benefícios de uma utilização correta das ferramentas digitais e a estarem dispostos a diminuir o fosso social digital, eles cocriam soluções de confiança e de fácil utilização, que facilitam a interação entre os cidadãos e os serviços de saúde, assegurando ao mesmo tempo relações humanas e seguras. Assim, os cidadãos não só estão mais informados sobre a sua saúde, como também são impulsionados para melhores capacidades de autogestão da saúde – ativação social. (Direção Geral de Saúde, 2019) 

O fenómeno da ativação traduz-se, então, numa participação autónoma da população em temas relacionados com a Saúde Pública e o Bem-estar Social, como adoção global de atitudes de prevenção, melhores escolhas em saúde e, por consequência, uma melhor utilização dos serviços de saúde.

O valor das iniciativas colaborativas de Literacia em Saúde 

Como afirmado por Judith Myers e muitos outros autores, após caracterizar os níveis de Literacia em Saúde e identificar as necessidades locais, as iniciativas de Literacia em Saúde deveriam ter a sua abordagem adaptada aos diferentes alvos – a chamada linguagem clara – de acordo com fatores demográficos, económicos e educacionais.

Um exemplo bem conhecido destas iniciativas é Ophelia (OPtimizing HEalth LIterAcy), uma abordagem de cocriação que procura melhorar a saúde e a equidade através do desenvolvimento de intervenções de Literacia em Saúde fundamentadas. Neste projeto, um vasto leque de pacientes, profissionais e decisores políticos trabalham em conjunto, em cenários reais, para construir respostas sustentáveis para:

  • Disponibilidade de serviços de saúde,
  • Acesso à informação sobre saúde,
  • Melhoria dos resultados individuais em matéria de saúde, e
  • Redução das desigualdades em saúde.

Em 2013, a equipa do projeto Ophelia lançou uma ferramenta para uma melhor medição dos níveis de Literacia em Saúde denominada Health Literacy Questionnaire (HLQ) (Questionário de Literacia em Saúde), que já foi traduzida para diferentes línguas como o inglês, dinamarquês, holandês e alemão. Ao avaliar os nove domínios da Literacia em Saúde, este questionário fornece um perfil detalhado dos desafios da Literacia em saúde que se podem experimentar, orientando assim a elaboração da intervenção, promovendo a capacitação dos cidadãos e melhorando a resposta dos sistemas de saúde às necessidades locais.

O sucesso mundial de Ophelia enfatiza o papel fundamental da cooperação: os profissionais de saúde, os principais responsáveis pela melhoria da Literacia em Saúde, dificilmente atingirão os objetivos da Literacia enquanto não perceberem o valor da colaboração com outros clínicos, pacientes, entidades de comunicação social, decisores e cidadãos. De facto, no Manual de Boas Práticas, Literacia em Saúde, a DGS sugere que abordagens integradas são essenciais para iniciativas eficazes de Literacia em Saúde, para garantir uma compreensão clara das principais necessidades sociais, uma divulgação transparente e bem-sucedida da evidência clínica aos cidadãos e, por último, uma correta tomada de decisão em matéria de saúde.

Esta visão está alinhada com a Agenda 2030 da OMS, que destaca as seguintes partes interessadas como os principais parceiros para programas avançados e sustentáveis de Literacia em Saúde:

  • Governo,
  • Meios de comunicação social (incluindo redes sociais),
  • Sociedade civil,
  • Líderes comunitários e
  • Instituições académicas e de investigação.

— Sobre o autor —

Enquanto Gestora de Projeto, a Carolina trabalha diretamente com profissionais de saúde, doentes e investigadores, e analisa dados de saúde e socioeconómicos para monitorizar e apoiar a equipa técnica do VOH.CoLAB no desenvolvimento e implementação de projetos de Saúde Digital.

Referências

Organização Mundial da Saúde. (2013). Health literacy: The Solid Facts. Copenhagen: OMS

Carvalho, G. (2009). Literacia científica: conceitos e dimensões. In F. Azevedo & M. G. Sardinha (Eds.), Modelos e práticas em literacia (pp. 179-194)

Norris, S.P & Phillips, L.M. (2002) How literacy in its fundamental sense is central to scientific literacy. Science education, 87, 224-240.

Espanha, R., Ávila, P. & Mendes, R.V. (2016). Literacia em Saúde em Portugal: Relatório síntese. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian

Manual de Boas Práticas, Literacia em Saúde – Capacitação dos Profissionais de Saúde, Direção Geral de Saúde (2019)

OECD. Caring for Quality in Health. Lessons Learn from 15 Rev Heal Care Qual, 2017

Plain Language Action and Information Network. What is Plain Language?

Goeman, Dianne & Conway, Sue & Norman, Ralph & Morley, Jo & Weerasuriya, Rona & Osborne, Richard & Beauchamp, Alison. (2016). Optimising Health Literacy and Access (OPHELIA) of service provision to community dwelling older people with diabetes receiving home nursing support. Journal of Diabetes Research. 2016. 10.1155/2016/2483263. 

https://health.gov/communication/literacy/quickguide/Quickguide.pdf 

https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/128703/e96854.pdf 

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4131737/pdf/nihms-505321.pdf 

https://www.who.int/healthpromotion/healthliteracy/en/ 

https://www.westernsydney.edu.au/__data/assets/pdf_file/0008/743480/ophelia_brochure.pdf